A reconstrução da Internacional
Foto: Rosa Luxemburgo/ Editora Dietz – Fundação Rosa
Publicado em abril de 1915 no primeiro e único número da revista Die Internationale, criada pelo grupo de Rosa Luxemburgo em oposição à guerra. Neste texto clássico, de inegável atualidade, Rosa faz um primeiro ajuste de contas com a Internacional e o SPD, que abandonaram seu programa socialista anterior à guerra, de caráter anti-imperialista.
Em 4 de agosto de 1914 a social-democracia alemã abdicou politicamente e, ao mesmo tempo, a Internacional socialista entrou em colapso. Todas as tentativas de negar, ocultar ou maquiar esse fato, seja lá por que motivos possam surgir, apenas tendem objetivamente a eternizar aquelas auto-ilusões fatais dos partidos socialistas, aquelas mazelas internas do movimento que conduziram a esse colapso, tendem a elevá-las ao estado consciente normal e a transformar a Internacional Socialista permanentemente em ficção, em hipocrisia.
O colapso em si é algo sem precedentes em toda a história. Em seus indomados delírios de recém-convertidos, os entusiasmados social-imperialistas da Alemanha se atrevem a afirmar que a presente guerra equivaleria às migrações dos povos devido à sua importância avassaladora para a história mundial. Não conseguimos avaliar se essa hipérbole patriótica faz sentido. Em todo caso, em algum momento os historiadores terão que reconhecer que, sem dúvida, o fato histórico mais marcante dessa guerra é a total falência do proletariado enquanto classe e da social-democracia enquanto sua guia.
Socialismo ou imperialismo: essa alternativa foi o resumo exaustivo da orientação política dos partidos operários na última década. Essa alternativa foi formulada particularmente na Alemanha em inúmeras falas programáticas, comícios populares, brochuras e artigos de jornal como o lema da social-democracia, como a concepção da presente fase histórica e de sua tendência.
Com a eclosão da guerra atual, a palavra se fez carne, e a alternativa se transformou de tendência histórica em situação política. Posta diante dessa alternativa, a social-democracia – que foi a primeira a reconhecê-la e trazê-la à consciência das massas – capitulou e, sem lutar, entregou a vitória ao imperialismo. Nunca, desde que existe história de lutas de classes e desde que existem partidos políticos, surgiu um partido que, depois de cinquenta anos de crescimento ininterrupto, de ter conquistado uma posição de poder de primeiro nível e arrebanhado milhões de pessoas, em vinte e quatro horas sumiu enquanto fator político, como num passe de mágica, como ocorreu com o partido social-democrata. É ele – justamente por ser a vanguarda mais organizada, mais disciplinada e mais bem treinada da Internacional – que permite demonstrar o colapso atual do socialismo da maneira mais clássica.
Kautsky – que, enquanto representante do chamado “centro marxista” ou, politicamente falando, como teórico do pântano, rebaixou há anos a teoria a uma serva submissa da prática oficial das “instâncias partidárias” e, com isso, contribuiu para o colapso atual do partido – agora também já inventou uma nova teoria exatamente para justificar e maquiar esse colapso. Segundo ela, a social-democracia deve ser sim um instrumento da paz, mas não um meio contra a guerra. Ou, como decretaram os fiéis seguidores de Kautsky na revista austríaca Kampf, com muitos suspiros pelas aberrações atuais da social-democracia alemã, a única política que convém ao socialismo durante a guerra é “o silêncio”. Apenas quando os sinos da paz dobrarem é que ele poderia voltar a funcionar.* Essa teoria da condição de eunuco, voluntariamente assumida, que crê poder preservar a virtude do socialismo apenas desligando-o enquanto fator nos momentos decisivos da história mundial, padece da mesma falha básica de todos os cálculos da impotência política: é feita sem cominar antes com os russos [ohne den Wirt gemacht wird].
Posto diante da alternativa de estar a favor ou contra a guerra, no momento em que renunciou ao “contra”, o partido social-democrata se viu obrigado, pelo imperativo de ferro da história, a jogar na balança todo o seu peso a favor da guerra. O mesmo Kautsky, que na memorável reunião da bancada de 3 de agosto pleiteou a aprovação dos créditos, e os mesmos “austromarxistas” (como eles próprios se chamam), que agora, na “Kampf”, também aceitam como óbvia a aprovação dos créditos de guerra pela bancada social-democrata, ocasionalmente vertem lágrimas pelos excessos nacionalistas dos órgãos partidários social-democratas e pela insuficiente capacitação teórica, em especial com relação à afiadíssima divisão do conceito de “nacionalidade” e de outros “conceitos”, que, supostamente, seria a responsável por tais equívocos. Mas as coisas têm sua lógica mesmo onde as pessoas não a querem perceber. Depois que a social-democracia, juntamente com sua representação parlamentar, decidiu-se a favor da guerra, todo o resto se desenrolou com a inevitabilidade do destino histórico. No dia 4 de agosto a social-democracia alemã, muito longe de se “calar”, assumiu uma função histórica muito importante: a de escudeiro do imperialismo na atual guerra. Napoleão disse certa vez que dois fatores são decisivos para o resultado de uma batalha: o fator “terreno” – referindo-se ao local físico, à constituição das armas, aos efeitos atmosféricos etc. – e o fator “divino”, ou seja, a constituição moral do exército, sua determinação, sua fé na própria causa. O fator “terreno” da guerra atual foi provido no lado alemão principalmente pela empresa Krupp, de Essen; já o fator “divino” recai principalmente sobre a social-democracia. Os serviços que o partido presta e segue prestando ao comando de guerra alemão desde o 4 de agosto são imensuráveis. Os sindicatos, que penduraram as chuteiras da luta salarial com a eclosão da guerra e posteriormente forneceram força de trabalho em abundância aos proprietários de terras para realizar a colheita; que envolvem todas as medidas de segurança dos órgãos militares para prevenção de insurreições populares com o halo do “socialismo” e atualmente ordenam que seus membros entreguem as rações de pão; as mulheres social-democratas, que distribuem sopa aos pobres junto com patriotas burguesas e retiram todo seu tempo e força da agitação social-democrata para aplicá-los na tranquilização e no entretenimento das famílias dos combatentes; a imprensa social-democrata, que com 5 ou 6 exceções utilizou seus 95 jornais diários, semanais e mensais para espalhar, nas mais amplas camadas populares, a notícia das vitórias das armas alemãs em todo seu esplendor, para difundir acriticamente todas as orientações estratégicas dos órgãos militares, para propagar por conta própria a guerra como assunto nacional e do proletariado, para – dependendo dos caminhos tomados pela guerra – pintar o perigo russo e o horror do governo tsarista, entregar a pérfida Albion ao ódio do povo, festejar os levantes e as revoluções nas colônias estrangeiras, profetizar o novo fortalecimento da Turquia depois dessa guerra, prometer a liberdade aos poloneses, rutenos e a todos os povos, ensinar a coragem e o heroísmo bélicos à juventude proletária – em suma, para direcionar a opinião pública e a massa popular totalmente para a ideologia da guerra; por fim, os parlamentares e líderes partidários social-democratas, que não apenas autorizam recursos financeiros para a condução da guerra, mas procuram sufocar todo movimento inquietante de dúvida e crítica, todas as “intrigas” nas massas populares, as quais, por sua vez, apoiam o governo por meio de serviços pessoais de natureza discreta como brochuras, discursos e artigos eivados do mais verdadeiro patriotismo alemão-nacionalista – onde existiu na história mundial uma guerra na qual aconteceu algo semelhante?
Onde e quando a suspensão de todos os direitos constitucionais foi aceita com tal naturalidade e entrega? Onde mais se cantou um tal hino nas fileiras da oposição sob a mais rígida censura de imprensa como num jornal da social-democracia alemã? Nunca antes uma guerra teve tais Píndaros, nunca antes uma ditadura militar teve tais mamelucos, nunca antes um partido político sacrificou tudo o que já foi e possuiu, de maneira tão ardente, no altar de uma coisa contra a qual prometera mil vezes, a si e ao mundo, combater até a última gota de sangue. Os nacionalistas liberais são Catos romanos, rochedos de bronze, comparados a essa transformação. Foi justamente a poderosa organização, a tão louvada disciplina da social-democracia alemã, cujo objetivo na vida era enfrentar a tempestade, que se confirmou com o fato de um corpo vigoroso de quatro milhões [de membros], sob o comando de um punhado de parlamentares, ter em vinte e quatro horas dado uma guinada e se deixado atrelar. Os cinquenta anos de trabalho preparatório da social-democracia se realizam nesta guerra, cuja virulência e força vitoriosa são reivindicadas no lado alemão, tanto pelos sindicatos quanto pelos líderes partidários, em grande medida como fruto da “educação” das massas nas organizações proletárias. Marx, Engels e Lassalle, Liebknecht, Bebel e Singer educaram o proletariado alemão para que Hindenburg pudesse conduzi-lo. E quanto maior a educação, a organização, a afamada disciplina, a construção dos sindicatos e da imprensa operária tanto na Alemanha quanto na França, tanto mais eficaz é a ajuda de guerra da social-democracia alemã em comparação com a da social-democracia francesa. Junto com todos os seus ingênuos ministros, os socialistas franceses são verdadeiros diletantes no ofício incomum do nacionalismo e da condução da guerra em contraposição aos serviços que a social-democracia alemã e os sindicatos alemães prestam ao imperialismo pátrio.
II
A teoria oficial, que abusa à vontade do marxismo em prol das demandas domésticas das instâncias partidárias de modo a justificar seus negócios diários, e cujo órgão principal de divulgação é o Neue Zeit, tenta esclarecer a pequena discrepância entre a função atual do partido dos trabalhadores e suas palavras de ontem pelo fato de o socialismo internacional de fato ter se ocupado bastante com a questão do que fazer contra a eclosão da guerra, mas não com o que se deveria fazer após sua eclosão.* Essa teoria, como uma garota complacente com todos, nos garante que reina a mais bela harmonia entre a prática atual do socialismo e seu passado, que “nenhum dos partidos socialistas teria que se recriminar por algo que colocasse em questão seu pertencimento à Internacional”. Simultaneamente, porém, essa teoria dócil e flexível também reserva uma explicação satisfatória para a contradição entre a posição atual da social-democracia internacional e o seu passado, uma contradição para a qual hoje ninguém pode fazer vista grossa. A Internacional só teria ventilado a questão da prevenção da guerra. Agora, porém, “a guerra chegou”, como diz o bordão, e agora se descobriu que após a eclosão da guerra passaram a valer, para os socialistas, regras de comportamento totalmente diferentes das que valiam antes dela. Assim que a guerra chegou, a questão ainda vigente para cada proletariado é se haverá vitória ou derrota. Ou, como Fr.[iedrich] Adler, outro “austromarxista”, declarou de maneira mais científico-filosófica: a nação deve afirmar sua existência como qualquer outro organismo. Em bom alemão isso quer dizer: para o proletariado não existe uma regra de vida, como o socialismo científico anunciara até então, e sim duas: uma para a paz e outra para a guerra. Em tempos de paz, dentro de cada país vige a luta de classes, e para fora a solidariedade internacional; durante a guerra, dentro do país vige a solidariedade de classes, e para fora a luta entre os trabalhadores de diferentes países. O apelo histórico do Manifesto Comunista ganha um complemento essencial, e segundo a correção de Kautsky lê-se: Proletários de todo o mundo, uni-vos na paz, e degolai-vos na guerra! Hoje, então, dizemos “A cada balaço um russo, a cada golpe um francês”, e amanhã, depois de selada a paz: “Abracem-se, milhões! Que este beijo vá ao mundo todo”.† Pois a Internacional é “essencialmente um instrumento para a paz”, mas “não é nenhuma ferramenta eficiente na guerra”.*
Essa agradável teoria abre não apenas perspectivas estimulantes para a prática social-democrata ao transformar a versatilidade da bancada Drehscheibe, juntamente com o jesuitismo do centro, no dogma fundamental da Internacional Socialista. Ela também inaugura uma “revisão” totalmente nova do materialismo histórico, uma revisão contra a qual todas as antigas tentativas de Bernstein parecem brincadeira de criança. A tática proletária antes da eclosão da Guerra e depois dela deve seguir diretrizes totalmente diversas, na verdade diametralmente opostas. Isso pressupõe que as condições sociais, as bases da nossa tática, também são diferentes em tempos de paz e em tempos de guerra. Segundo o materialismo histórico de Marx, toda a história escrita até agora é uma história da luta de classes. Segundo o materialismo revisado de Kautsky, deve-se acrescentar: exceto em tempos de guerra. Segundo ele, o desenvolvimento histórico – permeado há milênios por guerras periódicas – segue este esquema: um período de lutas de classes, seguido de pausa, dentro da qual há fusão das classes e lutas nacionais, depois novamente um período de lutas sociais, novamente pausa e fusão de classes, e assim por diante, graciosamente. A cada vez os fundamentos da vida social na paz são virados de ponta-cabeça pela eclosão da guerra enquanto os do período de guerra são virados do avesso no momento em que a paz é selada. Como se vê, isso já não é mais uma teoria do desenvolvimento social “em catástrofes” contra a qual Kautsky teve certa vez que se defender com outros “intrigantes”; esta é uma teoria do desenvolvimento – às cambalhotas. A sociedade se move de maneira semelhante ao iceberg nas águas da primavera: quando sua base derrete devido à água morna em torno, depois de algum tempo gira e fica de ponta-cabeça, e o mesmo jogo se repete periodicamente.
Esse materialismo histórico revisado é duramente batido pelos fatos conhecidos da história até agora, que, em vez da oposição recém-construída entre guerra e luta de classes, demonstram de maneira óbvia uma constante transição dialética das guerras em lutas de classe e das lutas de classe em guerras e, assim, a consubstancialidade interna delas. Assim foi nas guerras da história urbana medieval, nas guerras da Reforma, na guerra de libertação holandesa, nas guerras da Grande Revolução Francesa, na Guerra de Secessão americana, no levante da Comuna de Paris, na grande Revolução Russa de 1905. Mesmo vista de maneira puramente abstrata e teórica, a teoria do materialismo histórico de Kautsky não deixa pedra sobre pedra da teoria marxista, como deixa claro uma breve reflexão. Pois se, como admite a concepção marxista da história, tanto a luta de classes quanto a guerra não caem do céu, e sim surgem de profundas causas econômicas e sociais – então ambas não podem oscilar periodicamente se suas causas não sumirem como num passe de mágica. A luta proletária de classes é apenas um efeito colateral necessário da relação salarial e da predominância política de classe da burguesia. Mas durante a guerra, a relação salarial não desaparece nem por um instante, muito pelo contrário: a exploração é violentamente potencializada pela especulação e pela febre de empreendedores que floresceram no exuberante solo da indústria de guerra, como também pela pressão da ditadura militar sobre os trabalhadores. O domínio político da burguesia tampouco cessa na guerra. Pelo contrário, é elevado à condição de ditadura de classes pela suspensão dos direitos constitucionais. Já que as fontes econômicas e políticas da luta de classes brotam na sociedade com dez vezes mais potência durante a guerra, como então poderá cessar a sua inevitável consequência, a luta de classes? Por outro lado, guerras no período histórico atual surgem dos interesses concorrentes dos grupos capitalistas e da necessidade de expansão do capital. Ambas molas propulsoras, porém, não agem apenas quando os canhões soam, mas também nos tempos de paz, preparando e tornando a eclosão da guerra inevitável. Mas a guerra – como Kautsky gosta de citar Clausewitz – é apenas “a continuação da política com outros meios”. E justamente a fase imperialista do domínio do capital tornou a paz algo ilusório por meio da corrida armamentista, pois ela basicamente declarou a ditadura do militarismo, a guerra permanente.
Isso coloca o materialismo histórico revisado diante de uma escolha. Ou a luta de classes é a lei existencial superior do proletariado também durante a guerra, e a proclamação da harmonia de classes durante a guerra feita pelas instâncias partidárias é uma afronta aos interesses vitais do proletariado; ou então a luta de classes é uma afronta aos “interesses nacionais” e à “segurança da pátria” mesmo em tempos de paz. Ou a luta de classes ou a harmonia de classes é o fator fundamental da vida social, tanto na guerra quanto na paz. Em termos práticos, a alternativa parece ser ainda mais clara: ou a social-democracia – como jovens destemidos de antigamente e velhas beatas de hoje já anunciam de maneira contrita em nossas fileiras – dirá pater, peccavi* à burguesia pátria e revisará fundamentalmente toda sua tática e seus fundamentos mesmo na paz, para assim ajustar-se à sua posição social-imperialista atual; ou dirá pater, peccavi ao proletariado internacional e terá que ajustar seu comportamento em tempos de guerra aos princípios que tem em tempos de paz. E o que vale para o movimento operário alemão obviamente vale também para o francês. Ou a Internacional segue sendo uma pilha de escombros mesmo depois da guerra, ou seu ressurgimento começa a partir do solo da luta de classes, do qual tira sua seiva vital. Ela não vai renascer depois da guerra simplesmente desembalando o antigo realejo no qual, de maneira radiante, beata, alegre e livre como se nada tivesse acontecido, serão tocadas as antigas melodias que encantavam o mundo até 4 de agosto. É apenas por meio de uma “ridicularização cruelmente fundamental das próprias insuficiências e fraquezas” e da própria decadência moral desde o 4 de agosto, por meio da liquidação de toda a tática adotada desde o 4 de agosto que a reconstrução da Internacional pode começar. E o primeiro passo nessa direção é a ação pelo término mais rápido possível da guerra, bem como pela construção da paz, segundo o interesse comum do proletariado internacional.
III
Até agora duas posições diferentes ganharam protagonismo nas fileiras do partido com relação à questão da paz. Uma delas, defendida por Scheidemann, membro da direção do partido, por vários outros deputados do Reichstag e por jornais do partido, ecoa o slogan do governo – “aguentar firme” (Durchhalten!) – e combate o movimento pela paz como algo extemporâneo e perigoso para os interesses militares da pátria. Essa posição corrobora a continuação da guerra e, portanto, trabalha objetivamente para que a guerra seja continuada, no sentido das classes dominantes, “até a vitória, que corresponderá aos sacrifícios”, até a “paz assegurada”. Em outras palavras, os defensores do “aguentar firme” trabalham para que a tendência objetiva da guerra chegue o mais perto possível de todas as conquistas imperialistas que foram claramente expressas pelo Post, pelos Rohrbach, Dix e outros profetas da hegemonia mundial da Alemanha como sendo o objetivo da guerra. Se nem todos esses belos sonhos se tornarem realidade e as árvores do jovem imperialismo não chegarem ao céu, não será culpa do pessoal do Post nem de seus precursores nas fileiras da social-democracia alemã. Não são as festivas “declarações” no Parlamento “contra qualquer política expansionista” que são claramente determinantes para o resultado da guerra, mas sim a afirmação de “aguentar firme”. A guerra, cuja continuidade é pleiteada por Scheidemann e seus consortes, tem sua própria lógica, cujos portadores designados são aqueles elementos capitalistas-agrários que hoje montam na sela na Alemanha, e não as modestas figuras dos parlamentares e redatores social-democratas, que meramente seguram o estribo para os primeiros. Nesse sentido, a posição social-imperialista do partido tem sua expressão mais clara.
Enquanto também na França os líderes partidários – evidentemente devido a uma situação militar totalmente diferente – ainda se aferram ao lema de “aguentar firme até a vitória”, em todos os países um movimento para o término célere da guerra se torna cada vez mais notável. O que é característico da maioria desses pensamentos e desejos de paz é a instalação cuidadosa de garantias de paz que devem ser reivindicadas ao término da guerra. Não apenas a demanda comum de “sem conquistas”, mas surge toda uma série de novos postulados: desarmamento geral ou restrição modesta e planejada da corrida armamentista, desmonte da diplomacia secreta, comércio livre para todas as nações nas colônias, e muitas coisas bonitas mais. O admirável em todas essas cláusulas para favorecimento futuro da humanidade e para prevenção de guerras futuras é o inquebrantável otimismo que, tendo saído intacto da horrível catástrofe desta guerra, planta novas resoluções ainda no túmulo de antigas esperanças. Se o colapso do 4 de agosto demonstrou alguma coisa, foi a lição histórica de que uma garantia efetiva da paz e uma real barreira protetiva contra a guerra não são compostas de desejos pios, nem de receitas concebidas de maneira astuta e nem de demandas utópicas dirigidas às classes dominantes, mas tão somente da vontade enérgica do proletariado de permanecer fiel à sua política de classes e à sua solidariedade internacional atravessando todas as tormentas do imperialismo. O que faltou aos partidos socialistas dos países decisivos, sobretudo ao alemão, não foram demandas e fórmulas, mas sim a capacidade de colocar por trás dessas demandas a vontade e a ação no espírito da luta de classes e da internacionalidade. Hoje, depois de tudo que vivemos, compreender a ação em prol da paz como uma engendração [Ausklügelung] das melhores receitas contra a guerra seria constatar a coisa mais perigosa para o socialismo internacional: que ele não aprendeu e não esqueceu nada, apesar de todas as lições cruéis.
Também para isso encontramos um exemplo perfeito na Alemanha. No Neue Zeit, há pouco tempo o deputado Gustav Hoch montou um programa para a paz que, como lhe atestou um órgão do partido, ele apoiou efusivamente. Nesse programa não faltava nada: nem uma lista numerada de “demandas” que deveriam evitar as guerras futuras de maneira indolor e segura, nem uma demonstração muito convincente de que a paz vindoura seria possível, necessária e desejável. Só faltava uma coisa: a declaração de que, para obter essa paz, seria necessário operar por meio de ações e não de “desejos”, e os caminhos para isso! Sabemos que o autor pertence à compacta maioria da bancada que não apenas votou duas vezes a favor dos créditos de guerra, mas todas as vezes incentivou essa aprovação como uma necessidade política, patriótica e socialista e, esplendidamente treinado no novo papel, está pronto para autorizar, com a mesma naturalidade, novos créditos para a continuação da guerra. Autorizar ao mesmo tempo recursos materiais para a continuação da guerra e louvar a desejável paz iminente com todas as suas bênçãos; “colocar a espada na mão do governo com uma das mãos, e, com a outra, balançar a leve folha de palma da paz sobre a Internacional” – essa é uma peça clássica da política “pantanosa” propagada teoricamente no mesmo Neue Zeit. Quando os socialistas de países neutros, quando p. ex. a Conferência de Copenhague considera com toda a seriedade que a elaboração de exigências e receitas de paz no papel é uma ação para o término célere da guerra, podemos dizer que se trata de uma aberração relativamente inofensiva. O reconhecimento dos pontos cruciais na situação atual da Internacional e das causas do seu colapso pode e deve ser patrimônio comum de todos os partidos socialistas. O ato salvador para o restabelecimento da paz e da Internacional só pode partir dos partidos socialistas dos países beligerantes. O primeiro passo para a paz e para a Internacional é a inversão do caminho do social-imperialismo. E se os parlamentares social-democratas continuarem autorizando os recursos para a condução da guerra, então seus desejos e receitas de paz e suas festivas declarações “contra qualquer política de conquista” são, em si, aquilo que é a “Internacional” de Kautsky (que não tem nada de que se acusar e que periodicamente se abraça fraternalmente ou corta as gargantas uns dos outros), ou seja, uma hipocrisia e, o que é pior, uma ilusão. Aqui também as coisas têm a sua lógica própria. Com a aprovação dos créditos de guerra, os Hoch soltam as rédeas e proporcionam assim o oposto da paz, ou seja, o “aguentar firme”, assim como os Scheidemann, que, por apoiar o “aguentar firme”, na verdade entregam as rédeas aos jornalistas do Post e, assim, proporcionam o oposto das suas festivas declarações contra “qualquer política de conquista”, ou seja, o desencadear dos instintos imperialistas – até se esvair em sangue. Aqui também há apenas uma escolha entre duas opções mutuamente excludentes: ou Bethmann Hollweg ou Liebknecht. Ou imperialismo ou socialismo, como entendia Marx.
Assim como no próprio Marx encontravam-se inseparavelmente unidos o afiado analista histórico e o ousado revolucionário, o homem das ideias e o homem da ação, apoiando-se e completando-se mutuamente – também pela primeira vez na história do movimento operário moderno, o marxismo enquanto doutrina socialista conseguiu unir a teoria e a energia revolucionária do proletariado, que brilham e frutificam uma através da outra. Ambas fazem parte na mesma medida da essência mais íntima do marxismo; separadas uma da outra, cada uma transforma o marxismo numa triste imagem distorcida de si mesmo. No decorrer de meio século, a social-democracia alemã colheu os mais ricos frutos do conhecimento teórico do marxismo e nutriu um corpo poderoso com sua seiva. Posta diante do maior teste histórico – teste que, além disso, ela própria previu teoricamente com a certeza de um naturalista e anteviu em todos os seus traços essenciais – faltou-lhe totalmente o segundo elemento vital do movimento operário: a vontade enérgica não apenas de compreender a história, mas também de fazê-la. Com todo o seu exemplar conhecimento teórico e toda a sua força de organização, apanhada pelo redemoinho do fluxo histórico, num piscar de olhos ela foi revirada como um destroço descontrolado e colocado à mercê dos ventos do imperialismo, contra os quais deveria ir avançando rumo à ilha salvadora do socialismo. O desastre de toda a Internacional já havia acontecido com esse infortúnio da sua “vanguarda”, da sua elite mais educada e mais forte, mesmo sem os erros dos outros.
Um cataclismo histórico de primeira linha, que complica e retarda perigosamente a libertação da humanidade do domínio do capitalismo, escorrendo sangue e sujeira. Mas, se precisou ser assim, o marxismo não tem absolutamente culpa alguma. E todas as tentativas de ajustá-lo hoje ao marasmo momentâneo da prática socialista, de prostituí-lo ao domínio venal dos apologistas do social-imperialismo, são mais perigosas até do que todos os excessos claros e desavergonhados da aberração nacionalista nas fileiras do partido. Essas tentativas fazem com que não apenas sejam ocultadas as causas reais da profunda queda da Internacional, mas também soterradas as fontes de um futuro reerguimento a partir dessa queda. A Internacional e uma paz que corresponda ao interesse da causa proletária só podem ser geradas a partir da autocrítica do proletariado, a partir da conscientização da própria força do proletariado, aquela força que se quebrou em 4 de agosto como um bambu fino chicoteado pela tormenta, mas que, elevado à sua verdadeira grandeza, tem a vocação histórica de quebrar os carvalhos milenares da injustiça social e de mover montanhas. O caminho para essa força – não resoluções de papel – é ao mesmo tempo o caminho para a paz e para a reconstrução da Internacional.
O artigo da companheira Luxemburgo fora escrito já no início de fevereiro. Como ela não pode mais alterar nada nele desde a sua prisão, considero-me obrigado a fazer o comentário fático de que desde então Kautsky negou ter pleiteado os créditos de guerra. Durante uma polêmica, ele mesmo disse o seguinte sobre seu antigo posicionamento: “Eu acreditava que as dificuldades da situação seriam antes evitadas por meio da abstenção. Como nem a maioria nem a minoria concordaram com esse caminho, pareceu-me pelo menos digno de consideração fazer com que essa decisão dependesse da manutenção de garantias.” Sobre isso, o Hamburger Echo, do qual um ou até dois redatores fazem parte da bancada do Reichstag, afirmou: “Membros totalmente confiáveis do partido, observadores seguros dizem, aliás: Kautsky não recomendou seriamente nenhuma abstenção nas discussões oficiais nas quais fora incluído. Se o fez, talvez tenha sido numa mesa de café dos irresponsáveis.” Depois disso, não houve mais nenhuma resposta. Cf. o nº 50 do jornal Hamburger Echo, 28/2/1915.
Além disso, devemos acrescentar que em 20 de março o companheiro Hoch fazia parte da minoria da bancada que saiu do salão do Reichstag antes da votação, pois ele não queria aprovar o orçamento nem queria aprovar dez, mas apenas cinco bilhões de novos créditos de guerra.
F[ranz] M[ehring]
Instituto de Marxismo-Leninismo no Comitê Central [ZK] do Partido Socialista Unificado da Alemanha [SED]
Arquivo central do partido, NL 2/19.
[Tradução: Daniel Martineschen]