A “hora fatídica do partido” (1917)
Foto: Soldados bolcheviques em Moscou, em 1917/ Editora Dietz – Fundação Rosa
Em janeiro de 1917, toda a oposição foi expulsa em bloco do SPD, o que daria origem, em abril desse ano, à formação do moderado Partido Social-Democrata Independente (USPD). Rosa Luxemburgo, apesar da discordância com o grupo centrista, considera necessário o trabalho conjunto com ele. Mais uma vez fica patente sua ojeriza às pequenas seitas separadas das massas populares.
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A cisão formal do partido, induzida pela sua liderança, é apenas um novo estágio do processo natural de desagregação e decadência ao qual a social-democracia se rendeu desde o início da guerra. A “hora fatídica do partido” não foi o momento da decisão das instâncias partidárias de expulsar a oposição: a “hora fatídica” da social-democracia alemã, assim como do socialismo internacional, ocorreu no dia 4 de agosto de 1914.[1]
O fracasso total diante da prova mais importante da história apontou para a inutilidade das social-democracias – alemã e internacional – da forma como estavam configuradas e constituídas até então. Depois que, historicamente, a social-democracia, enquanto partido de classe revolucionário do proletariado, provou ter uma existência fictícia, a sua crescente degradação política – e, com isso, também a sua deterioração em termos organizativos – resultou ser um processo inevitável que só podia ocorrer com a lógica férrea de um processo natural no curso da guerra.
Da mesma forma, a liquidação geral deste processo necessariamente apontava para três objetivos: 1) a eliminação do domínio de elementos burgueses-imperialistas no comando do partido; 2) a aglutinação dos elementos proletários-socialistas que hoje se encontram paralisados, sufocados ou repelidos pelo predomínio daquela camada no partido e 3) a total reformulação do movimento como um todo nos aspectos tático e organizativo com o intuito de adequá-lo às suas verdadeiras tarefas históricas e evitar a repetição da falência na próxima prova histórica. Todos esses objetivos só podem ser concretizados, tanto agora quanto antes, com a participação ativa de vastas camadas populares. Só se as massas entrarem em campo para lutar contra o imperialismo, este mesmo imperialismo e seus asseclas também poderão ser combatidos com sucesso no seio da própria social-democracia. É impossível abater e superar os comparsas e clientes dos agentes dominantes – dos Scheidemann e seus correligionários – se a política imperialista desses poderes não encontrar nenhuma resistência nas massas populares. Da mesma forma, o renascimento de um partido social-democrata em nova configuração, animado por um novo espírito e pronto para dar conta de suas missões históricas, só pode ser obra de um movimento de massa do proletariado, fruto de um renascimento espiritual das massas populares e de seu despertar da atual passividade rígida.
Por isso, era do interesse urgente dos objetivos acima mencionados tentar adiar, ao máximo possível, o enfrentamento geral com a camada burguesa-imperialista dominante no partido e, por meio da mobilização das massas, prepará-las para a vida política ativa, a fim de transformar esse enfrentamento na grande questão histórica do movimento de classe proletário. Inversamente, interessava ao imperialismo burguês acelerar ao máximo possível o colapso organizativo do partido, claramente inevitável, a fim de evitar o enfrentamento em grande estilo, para tirar a decomposição institucional da social-democracia da área de influência e da participação das massas, reduzindo a questão à sua menor dimensão possível e transformando uma importante questão de classe do proletariado ascendente em mera questão interna de “cisão” dos conventículos do partido.
A cisão do partido, agora compulsoriamente provocada pelo comando do partido e seus correligionários, é mais uma prova de que os elementos burgueses-imperialistas reinam de maneira irrestrita, de que conduzem a sua política sem obstáculos e de que levam adiante uma ofensiva ativa e determinada, enquanto o grupo Arbeitsgemeinschaft[2] e seus seguidores, coerentes e renitentes, continuam fieis à tática da passividade e da defensiva. Por terem adiado a tão necessária e urgente cisão da bancada do partido no Reichstag até serem compelidos a ela pela direita; por terem deixado de aproveitar as oportunidades de um confronto aberto e direto com a direita e de desmascará-la diante das massas no Reichstag; por terem-se esquivado ao máximo de incitar as massas a agirem; por terem, em todas as etapas, rebaixado a divergência com a direção do partido de grande questão política das massas para mera querela de competência estatutária, afirmações jurídicas e declarações débeis das diferentes instâncias, por tudo isso, os seguidores da Arbeitsgemeinschaft contribuíram fortemente para fortalecer a posição da direita, permitindo que ela escolhesse a seu próprio bel-prazer e em seu próprio interesse o momento da cisão, realizando-a por trás das costas das massas.
A cisão organizativa da social-democracia alemã, que a partir de agora é conduzida como obra da política ativa programada da camada burguesa-imperialista do partido[3], coloca a oposição diante de um problema com o qual ela precisa se conformar, por todos os aspectos políticos gerais. Esse problema, por sua vez, surge para cada uma das três vertentes do partido em diferentes configurações.
A existência das três vertentes – a burguesa-imperialista, a da extrema esquerda e, entre as duas, a do centro amplo, designado de “pântano” por Bebel – não é nenhum subproduto da guerra mundial, nem do mais recente processo de desagregação do partido, mas data da última década antes da guerra e é uma das explicações mais importantes para os destinos do partido desde a eclosão da guerra. A existência dessas três principais vertentes do movimento, no entanto, de forma alguma representa atualmente a necessidade e a base objetiva para a formação de três partidos.
A vertente burguesa-imperialista já é naturalmente, de antemão, um corpo estranho na organização de classe proletária. Pergunta-se apenas em que momento e de que forma deve ocorrer a sua expulsão do partido. Ela teve oportunidade de escolher o momento mais vantajoso e evitar, por enquanto, uma dissidência dos elementos proletários.
Entre as duas vertentes da oposição, no entanto – a Internacional[4] e o grupo Arbeitsgemeinschaft – não se trata de dois partidos diferentes por natureza e de sua correta separação, e sim de diferentes tendências históricas do moderno movimento operário em geral.
Qual das tendências ganhará, isso depende do respectivo comportamento das massas, e mesmo isso, por sua vez, do andar da carruagem dos acontecimentos e do futuro desenvolvimento das coisas, e não do número de membros reunidos sob cada uma dessas duas bandeiras.
A importância da organização partidária para a vida política e para o futuro do socialismo não deve ser subestimada no estágio atual; pois o partido socialista atualmente leva uma existência fictícia. Isso é o caso tanto entre Scheidemann e seus adeptos como na oposição. E isso porque as massas propriamente ditas se mantêm distantes da vida partidária, assistindo, passivas e indiferentes, às suas lutas. A organização partidária – agremiações eleitorais, assembleias, eleição dos funcionários, contribuições, assinatura do jornal do partido, relatórios, resoluções – tudo isso é mero aparelho, meio para um fim, o de conduzir a política de classe. No instante mesmo em que a corrida vitoriosa do imperialismo selou a intensificação dos métodos bélicos e os preparativos de guerra da união norte-americana, a bancarrota completa do socialismo e do proletariado internacional como um dos fatores de poder, fazendo, portanto, com que a política socialista nem sequer conte mais, a organização socialista passa a ser mero invólucro vazio. O partido, por sua natureza, passou a ser conventículo, e suas lutas internas uma batalha de sapos e ratos, enquanto as verdadeiras massas deixarem os destinos do socialismo a algumas centenas de membros do partido, sem levar adiante uma política ativa contra o imperialismo. O estado de sítio, que pode ser significativo, enquanto obstáculo externo, ao comportamento de um punhado de membros ativos do partido, serve tanto menos para explicar o comportamento das massas quanto a sua manutenção, inversamente, é resultado da passividade das massas populares.
A oposição do grupo Arbeitsgemeinschaft, que também nesse quesito mantém inalteradas as mazelas do partido oficial tal como era antes da guerra, confunde o meio com o fim, cultiva a vida da organização como se fosse um fim em si próprio, enxerga os trilhos abandonados das assembleias de algumas centenas de membros e a aprovação de resoluções, que concordam com a direita ou a oposição, como vida partidária no sentido estrito e acredita poder erigir um partido saudável na base de tais resoluções de aprovação. O grupo Arbeitsgemeinschaft sequer percebe que, ao continuar mecanicamente a empregar os mesmos métodos de antes da guerra, deixa de considerar toda a diferença histórica da situação. Não será dos fragmentos institucionais erigidos hoje que haverá de nascer a social-democracia do futuro. O futuro da social-democracia alemã, bem como da internacional, só poderá ser decidido pelo curso dos acontecimentos e pelo comportamento das amplas massas. Se depois da guerra vier um período de silêncio e de compromisso, um “entendimento” do imperialismo, seguindo a palavra de ordem de Kautsky-Haase-Ledebour, então o pântano será a vertente decisiva tanto no movimento operário alemão quanto no internacional, e a liquidação do período de guerra também acabará em um compromisso nas hostes do proletariado. A esquerda mais determinada, então, continuará sendo um grupo com menos influência prática durante um bom período, dependendo prioritariamente da função da crítica, como antes de 1914, ainda que esse amargo ofício precise continuar sendo feito com todas as forças. Se, por outro lado, depois da guerra houver um período de desenvolvimento agitado com participação das massas, então a extrema esquerda será a líder natural do movimento como um todo. Considerando que, depois da guerra, os estados capitalistas enfrentarão dificuldades financeiras quase insuperáveis e a intensificação das diferenças econômicas atingirá um grau extremo com o progresso acelerado da acumulação de capital na guerra, assim como com a pressão militarista, então é altamente provável que um longo período de desenvolvimento agitado seja apenas uma questão de tempo e a política da extrema esquerda por natureza se tornará determinante para todo o movimento proletário.
A esquerda determinada, portanto, não contrapõe um outro programa e uma tática diferente em suas bases à oposição da Arbeitsgemeinschaft, que poderia ser a qualquer momento e de modo consistente a base para uma vida partidária separada; ela não passa de uma outra tendência histórica do movimento geral do proletariado, do qual resulta, é verdade, uma postura diferente em quase todas as questões da tática e da organização. No entanto, a opinião de que disso resulta a necessidade – ou mesmo só a possibilidade objetiva – de enclausurar os trabalhadores hoje em diferentes gaiolas partidárias cuidadosamente separadas, correspondendo às duas vertentes da oposição, está fundamentada em uma concepção do partido como conventículo. O que vale, antes, é representar de modo coerente e enérgico a política que corresponde à concepção da oposição decidida. A natureza interna e o tipo de política, não os limites externos da oposição, são hoje decisivos e determinantes. A oposição em volta do grupo Arbeitsgemeinschaft que imagina finalmente ter-se separado de Scheidemann e seus comparsas graças à expulsão, em realidade consegue hoje tão pouco com a sua política quanto antes. Seus discursos no Parlamento, bem ao velho estilo dos tempos de paz, o cretinismo organizativo e sua passividade em geral fazem faltar uma barreira política básica entre ela e a vertente Scheidemann, não importa se juntas ou separadas. No que se refere à concepção política especial da oposição decidida (a corrente Internacional), por sua natureza ela não pode se tornar uma força viva em qualquer curral organizativo, conventículo ou folheto com sutilezas “radicais de esquerda”. Só na ação e na pressão dos acontecimentos históricos é que ela pode ganhar vida e desabrochar com toda sua força. Pois o que representa a oposição decidida não é outra coisa senão a simples política de classe socialista do proletariado. O que vale para esta também vale para a nossa corrente no seio do movimento.
Disso não resulta, por exemplo, que a oposição decidida teria que esperar pelos acontecimentos, como, no melhor dos casos, querem os adeptos do grupo Arbeitsgemeinschaft, quando consideram adequado ao momento atual limitar-se a remastigar os métodos superados e falidos do partido dos tempos de antes da guerra mundial. Mas tampouco resulta que nós estejamos em condições de poder mostrar tudo “como deve ser feito” em formato de livro de bolso.
Assim como a política revolucionária socialista do proletariado, a oposição decidida tem por natureza duas missões: 1) no período de estagnação da luta de classes, ser em primeira linha a crítica, a oposição, a consciência do movimento, a fim de fazer avançar o movimento como um todo até aos limites externos da política radical e 2) no período da tempestade, assumir a liderança política natural à cabeça do movimento geral do proletariado.
Desses dois pontos de vista, o nosso papel é essencialmente diferente comparado com a corrente Scheidemann e a oposição do pântano. O fato de que, em sua política e em toda a sua concepção, o grupo Arbeitsgemeinschaft não consegue, em princípio, se diferenciar e delimitar em relação ao grupo de Scheidemann, não faz com que nós tenhamos que nos demarcar igualmente das duas correntes. Tal conclusão seria um radicalismo aparente, formal e oco. A corrente Scheidemann representa um elemento puramente burguês, uma tropa auxiliar da dominação imperialista, portanto, um corpo estranho no movimento proletário. Em relação a ela, a nossa missão é explodir sua atual dominação organizativa sobre a massa proletária e levar adiante, contra ela, como contra qualquer forma e representação da ideologia burguesa, a luta mais acirrada, algo que a oposição do pântano não sabe e nem está determinada a fazer. Aqui nos espera a reedição da grande missão histórica que Marx e Engels realizaram no campo teórico, e Lassalle, na prática: a libertação do proletariado das amarras da dominação espiritual e política da burguesia, uma reedição sob condições históricas muito especiais, as quais, em parte, são bem mais fáceis, porque vêm logo depois da grande obra dos velhos mestres do socialismo, baseando-se neles, mas, por outro lado, muito mais difíceis, por serem incomparavelmente mais complicadas.
A corrente Arbeitsgemeinschaft, de outro lado, é o socialismo do período do compromisso, do socialismo parlamentar e reformista, correspondente à estagnação política da luta de classes. Ela representa a assimilação, o oportunismo do movimento operário em pessoa, a partir do qual se explica também sua impotência em relação às influências burguesas no movimento dos trabalhadores: basta ver a luta de guerrilha de 20 anos contra o “revisionismo” antes da guerra e sua defensiva em relação à corrente Scheidemann desde a guerra. No entanto, é precisamente enquanto oportunista que essa oposição brilha em todas as cores. Da mesma forma que, em sua constituição, ela engloba todas as gradações do movimento, o que, em parte, explica sua impotência e incapacidade de agir, também ela oscila no tempo de acordo com as circunstâncias que conferem maior peso a esse ou àquele componente. Até a eclosão da primeira guerra mundial ela foi comparsa da direita, da atual corrente Scheidemann, ao se unir com ela contra a extrema esquerda em todos os momentos decisivos, ajudando, dessa maneira, a preparar o caos do dia 4 de agosto. Ela foi, ontem e o quanto tempo pôde depois da eclosão da guerra, prisioneira dos Scheidemann, cujos passos sozinhos a levaram à cisão. Amanhã, quando começarem os eventos agitados e as massas ressuscitarem de sua morte aparente, essa corrente avançará num heroísmo selvagem. Em momento algum capaz de uma política clara e determinada, sempre segue o ânimo do momento das massas, em vez de liderá-las. Disso resulta, no entanto, que o pântano, assim batizado por Bebel, é por natureza um elemento mutável, plástico, cujo desenvolvimento pode formar uma porção de coisas. E é dever histórico da esquerda decidida ter a função de martelo que bate, incansável, nessa massa plástica a fim de fazê-la avançar em direção à respectiva política extrema que se pode atingir. Ambas – tanto a oposição do grupo Arbeitsgemeinschaft quanto a corrente Internacional – representam legados da social-democracia, tanto alemã quanto internacional, e que andam juntos. O grupo Arbeitsgemeinschaft é legado do partido e da Internacional, conforme era segundo sua prática, seus atos, sua vida organizativa, assim como logicamente conduziu à bancarrota do dia 4 de agosto. Na corrente Internacional está representado o legado do partido conforme seu programa, suas palavras, sua teoria e sua missão histórica, e conforme poderá se mostrar sozinha à altura dos próximos desafios históricos. Por isso a oposição aguda entre as duas correntes, uma oposição que, ao mesmo tempo, representa o conflito interno trágico e o verdadeiro problema político do atual movimento do proletariado como um todo. Esse problema e esse conflito, no entanto, não podem ser resolvidos à maneira mecânica de uma cisão puramente organizativa. Só podem ser resolvidos por meio de uma luta política sistemática, por meio de um confronto aberto e constante das duas correntes no interior do mesmo movimento e do mesmo partido e, por fim, serem decididos pela influência de condições históricas objetivas.
Permanecer no chamado pântano em um mesmo partido certamente traz grandes perigos. Alguns elementos da oposição decidida ainda se encontram naturalmente no fluxo de seu desenvolvimento político, e até certo grau podem estar sujeitos à influência retardadora e paralisante do pântano. Quando se trata de ações e resoluções importantes, a oposição decidida é ameaçada, na maior parte dos casos, de perder a maioria dos votos pelos adeptos da Arbeitsgemeinschaft. É altamente previsível que o partido da Arbeitsgemeinschaft quererá muitas vezes empregar contra a oposição decidida, sua crítica e sua atitude autônoma, os mesmos métodos de combate usados pela direita em relação a ele próprio. Pois desde sempre foi bem mais confortável conservar uma bandeirinha imaculada no círculo fechado dos correligionários do que na mistura colorida de diversos elementos. A história infelizmente não facilita nada ao socialismo revolucionário, sob nenhum aspecto. Aliás, costuma ser o destino da oposição decidida que seu trabalho, seu efeito estimulante, sua revolta acirrada e prematura contra o predomínio do imperialismo social acabe beneficiando o pântano. Depois de termos abalado os muros da direita, vem a Arbeitsgemeinschaft e colhe os frutos do nosso trabalho. Também no futuro, a nossa crítica e o nosso trabalho estimulante jogarão lenha na fogueira da Arbeitsgemeinschaft, fortalecendo este grupo e aumentando sua força de atração sobre elementos que ainda oscilam. Mesmo reconhecendo todos esses lados negativos é importante continuar realizando a nossa tarefa com toda a energia, o olhar firmemente posto sobre o futuro curso do desenvolvimento que, em última instância, assegura à nossa política o papel de liderança e, assim voltando a nos beneficiar com os frutos dos esforços atuais, que aparentemente caem em parte em quintais alheios. Pois nossas tarefas e nosso destino são idênticos às tarefas e destino do socialismo latu sensu.
A necessidade de fundar um partido junto com a oposição do centro não significa que a oposição decidida tenha que abrir mão ou suavizar sua crítica à Arbeitsgemeinschaft. Pelo contrário, agora é que a verdadeira tarefa da corrente Internacional – ao lado de sua luta incansável contra o domínio dos Scheidemann – consiste em levar adiante a luta igualmente incansável contra a tibieza, a dubiedade e a rotina burocrática da Arbeitsgemeinschaft. A crítica implacável à Arbeitsgemeinschaft é por isso a partir de agora mais importante e urgente, considerando que para muitos elementos intelectualmente comodistas e míopes a cisão organizativa puramente externa em relação ao grupo de Scheidemann conferiria à Arbeitsgemeinschaft a aparência radical de uma separação interna – no sentido político básico – , confundindo e dificultando assim ainda mais o processo de esclarecimento e de agitação das massas.
Para fazer jus às tarefas da luta contra o partido de Scheidemann, bem como à crítica construtiva em relação à Arbeitsgemeinschaft e às iniciativas na agitação das massas para a vida política ativa, a firme coesão organizativa da oposição decidida dentro do mesmo partido com a Arbeitsgemeinschaft e a manutenção da liberdade na crítica e na ação são condições inalienáveis e óbvias.
Der Kampf (Duisburg), nº 43, 31 de março de 1917
Tradução: Kristina Michahelles
* Publicado em Gesammelte Werke 7/2 (GW), Berlim, Dietz, 2017, p. 1031-39. Este artigo não é assinado, mas com grande probabilidade é de autoria de Rosa Luxemburgo. É possível que ela tenha escolhido a expressão entre aspas porque no número 32 do jornal Vorwärts (Berlim), de 22 de fevereiro de 1917, havia saído um artigo sobre o problema da cisão e da organização especial intitulado A hora fatídica do partido. A própria Rosa Luxemburgo se refere à sua autoria no segundo parágrafo do texto O resultado da conferência de Páscoa, em GW 7/2. Ver também Kurt Koszyk, Das abenteuerliche Leben des sozialrevolutionären Agitators Carl Minster (1873-1942). In: Arquivo para História Social, v.5, Hannover, 1965, p.199, que ressalta Gracchus, um dos pseudônimos de Rosa Luxemburgo, para este artigo de 31 de março de 1917. Em carta a Carl Moor, de 12 de outubro de 1914, ela já havia escrito sobre o destino do partido, questão que lhe era tão cara. Ver GB, v.4, p.53, e nos fragmentos sobre a democracia internacional e alemã em GW 7/2, p.1088 e seg.
[1] Em 4 de agosto de 1914, a bancada social-democrata no Reichstag alemão, fazendo cumprir o princípio da fidelidade partidária contra a minoria de 14 deputados contrários, aprovou os créditos de guerra. A declaração lida pelo segundo presidente do partido, Hugo Haase, dizia: “Nossa questão não é se devemos decidir em favor ou contra a guerra, e sim sobre os meios necessários para a defesa do país […] Estamos tornando verdade o que sempre enfatizamos: na hora do perigo não abandonaremos a nossa pátria.” Vorwärts (Berlim), 5 de agosto de 1914.
[2] Em 24 de março de 1916, além de Karl Liebknecht e Otto Rühle, 18 parlamentares social-democratas do Reichstag alemão votaram contra o orçamento de emergência do governo. Na sessão seguinte da bancada social-democrata, esses 18 parlamentares foram excluídos do partido por 58 votos contra 33. Formaram, então, o grupo Sozialdemokratische Arbeitsgemeinschaft [comunidade de trabalho social-democrática] um grupo próprio no Reichstag. Hugo Haase, Georg Ledebour e Wilhelm Dittmann foram eleitos líderes. Karl Liebknecht já fora excluído da bancada social-democrata no Reichstag em 12 de janeiro de 1916. Solidário com ele, Otto Rühle deixara o partido em 14 de janeiro de 1916. No dia 31 de março de 1916, Hugo Haase convidara Karl Liebknecht e Otto Rühle a fazer parte do grupo Arbeitsgemeinschaft. Karl Liebknecht declinou porque o novo grupo não estava disposto a adotar um programa de ação revolucionário e a convocar ações de massa contra a guerra.
[3] Em 18 de janeiro de 1917, por 29 votos a 10, a comissão do SPD expulsou os membros de oposição agrupados em torno do grupo Arbeitsgemeinschaft e da esquerda alemã.