Escola sindical e escola do partido
Foto: Escola SPD (1907-1908) / Editora Dietz – Fundação Rosa Luxemburgo
Leipzig, 21 de junho,
Nos últimos tempos, repetidamente, levantaram-se vozes, tanto nos círculos partidários quanto nos círculos sindicais, que exigiam uma fusão ou, pelo menos, uma dada combinação de ambos os institutos de formação do movimento operário capaz de oferecer igual aproveitamento tanto aos companheiros ativos no partido quanto àqueles dos sindicatos.
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A ideia básica que ditava essa exigência é totalmente correta. Nasce da visão de que os sindicatos e a social-democracia como partido apenas representam duas formas diferentes, dois ramos do moderno movimento operário, que apenas juntos, em sua complementação recíproca, fazem jus às necessidades e às tarefas da luta de classes proletária, mas que também somente podem florescer e fortalecer-se sobre um fundamento teórico comum e unificado.
Não há uma teoria científica particular do movimento sindical e uma do movimento social-democrata. Trata-se da mesma teoria da luta de classes, da mesma ótica de economia política sobre as leis da economia capitalista, da mesma teoria da concepção materialista da história que formam tanto a armadura intelectual na luta de nossos sindicatos como a de nosso partido. Os sindicatos livres alemães e a social-democracia alemã são ambos, em sua forma atual, produtos da teoria do socialismo científico de Marx, e é apenas o emprego diferente dessa teoria que distingue a prática da luta sindical da luta política da social-democracia.
O fato que, hoje, a mesma preparação teórica seja exigida de todo agitador sindical qualificado e que esteja à altura das atuais exigências da luta, bem como do agitador partidário arguto, decorre da essência da coisa propriamente dita e da história do movimento operário alemão. Foi também essa a ideia expressa pela direção do partido quando há alguns anos deixou que um terço do contingente de alunos da escola do partido fosse ocupado pelos sindicatos, embora até hoje apenas duas associações centrais – a associação dos mineiros e a dos pedreiros – tenham feito uso regular dela, com o envio de dois alunos por parte de cada uma.
Por mais acertada que seja a ideia básica, os desejos de uma fusão ou de uma combinação da escola sindical com a escola do partido que daí derivam residem num desconhecimento dos fatos. Ambas as escolas estão erigidas sobre alicerces completamente diferentes e representam portanto dois tipos inteiramente diferentes. Com isso, não estamos nos referindo à orientação de alguns professores da escola sindical que notoriamente não se encontram no terreno da doutrina marxista. Cabe às instâncias de liderança do movimento sindical, aos seus pontos de vista e convicções determinar a dieta intelectual que será oferecida aos alunos dos sindicatos. Também há outros pontos de vista importantes que devem ser observados, mas que, estranhamente, até hoje ainda não foram levados em consideração: trata-se daqueles puramente pedagógicos, questões de conveniência na instalação da escola como um instituto de formação para os proletários. Aqui, com a criação de suas duas escolas, o movimento operário avançou num terreno ainda não explorado; de certo modo, tentou um novo experimento, e o lado puramente prático do êxito ou fracasso desse experimento já é, em si, de grande interesse para os círculos mais amplos dos trabalhadores com consciência de classe.
Agora, do ponto de vista pedagógico, a escola do partido está, sob todos os aspectos, organizada de modo fundamentalmente diferente da escola sindical. O contraste já começa com a quantidade de alunos que frequentam simultaneamente um curso. Criticamos a escola pública por causa da tão frequente superlotação das salas de aula, que impossibilita um ensino racional e, nomeadamente, um tratamento um tanto quanto individual do aluno. O mesmo vale, em grau ainda maior, para os proletários adultos em processo de aprendizagem. Aqui a discussão, o debate livre dos estudantes com o professor aparece como a primeira condição de um ensino frutífero. Apenas por meio de uma troca viva de ideias é que se pode obter a atenção, a concentração de espírito entre os proletários que, de modo geral, não estão acostumados ao trabalho intelectual e, por isso, acabam por cansar-se mais facilmente. Mas esse método de ensino é especialmente recomendado pelo fato de que um instituto de formação para lutadores da classe proletária não pode, em primeira instância, considerar como sua tarefa principal enfiar na cabeça dos alunos mecanicamente uma soma de conhecimento positivo, mas sim a educação para o pensamento autônomo e sistemático. As discussões nas quais todos tomam parte ativamente – nem que seja pelo acompanhamento atento, ao menos – só podem ser levadas a cabo com um número limitado de participantes na aula. Por esse motivo, a escola do partido definiu de início um número máximo de 30 alunos, e a experiência de cinco anos confirmou a total exequibilidade de uma aula viva com uma participação geral ativa. Nas escolas sindicais, dependendo do caso, 50, 60, 70 até 75 alunos frequentam cada curso, sendo que uma constante troca de ideias entre alunos e professores, uma interação viva entre eles durante a aula parece, mesmo com a melhor das intenções dos dois lados, quase impensável.
Além disso, deve-se considerar a duração da aula. Na escola do partido, cada matéria tem diariamente duas horas ininterruptas de aula, sendo que em princípio leciona-se apenas de manhã, das 8h às 12h, e a parte da tarde é dedicada apenas às matérias mais fáceis, com duração de mais duas horas. Assim, são tratadas por dia duas, no máximo três matérias, e as aulas encerram-se por volta do meio-dia – ou, no máximo, no início da tarde.
Com isso, atingem-se duas coisas: primeiro, um tempo suficiente para cada objeto de ensino, para que os alunos possam encontrar seu caminho, coletar, pensar e discutir um pequeno capítulo definido; segundo, o mais importante, aos alunos sobra a noite livre para retrabalhar em casa com tranquilidade aquilo que foi ouvido, revisar suas anotações e realizar leituras rigorosas. Sem que haja um trabalho simultâneo e autônomo de leitura de brochuras e livros de apoio do ensino não se pode falar de uma preparação séria em relação a qualquer matéria.
A escola sindical tem, também nesse sentido, orientações completamente diferentes. Não menos do que cinco matérias perseguem os alunos a cada dia – com exceção de um dia –, sendo que, novamente com uma exceção, dedica-se apenas uma hora a cada aula. Visto que sabidamente o primeiro quarto de hora que se situa entre as diferentes matérias transcorre de maneira improdutiva, resta então um tempo tão curto para o ensino efetivo de cada assunto que o tratamento rigoroso que deve ser oferecido em qualquer domínio como um todo coerente é extremamente difícil para o professor; o que dizer, então, da possibilidade de que ocorra uma discussão profunda e geral.
A troca contínua dos que lecionam e das matérias lecionadas no decorrer do dia também não pode ter efeito diferente do que o de confundir os alunos, sobre os quais são jogadas tantas coisas diferentes que a capacidade de apreensão dos proletários, que não cresceram rodeados pelo trabalho intelectual, é posta à mais dura prova.
Acrescente-se a isso que a aula, que começa apenas às nove horas e dura até às seis horas da tarde, não deixa, nem de manhã nem à noite, tempo suficiente ao aluno para que ele trabalhe por si, leia algo sério. A extensa pausa para o almoço que divide o dia, com duração de três horas, é despendida com a refeição e o cansaço que se segue, bem como por caminhos improdutivos para a aula. À noite, depois do jantar e da volta para casa, só restam aos alunos algumas poucas horas. Cansados por tudo o que ouviram, a maioria, por força, procura um pequeno refresco e recuperação espiritual em algum boteco do partido [Parteilokal], o que é bastante compreensível, mas dificilmente constitui a preparação pedagógica mais racional para a aula da manhã seguinte.
Por fim, há de se considerar a duração do curso como um todo. Na escola do partido cada curso dura meio ano, e no final, na maioria das vezes, os alunos reclamam de que não teria sobrado tempo para o tratamento detalhado de tantos conteúdos importantes. Durante quase o mesmo tempo de sete meses, a escola sindical realiza quatro cursos de seis semanas, um após o outro, com pausas de duas semanas entre cada uma delas.
Dessa maneira, em cada curso cabe um espaço de tempo mínimo para cada matéria – por exemplo, dezoito horas ao todo para a história e a teoria do movimento sindical alemão, o mesmo montante para o movimento sindical estrangeiro etc. Um aprofundamento rigoroso e um tratamento que esgote qualquer um desses conteúdos encontram um obstáculo intransponível nessa medida sumária do tempo. Mas ainda se acrescenta um elemento psicológico. Todo professor que não queira tornar-se uma máquina sem espírito precisa sempre aprimorar sua matéria, agregar-lhe novo material e revisar o ordenamento do conteúdo.
Isso torna-se especialmente uma necessidade para os professores de nossas escolas de trabalhadores que, afinal, não são pedagogos formados, mas militantes que ocupam a cátedra, ou seja, eles próprios também aprendizes. A escola do partido oferece aos professores, depois de cada curso, um repouso pedagógico de meio ano, durante o qual o professor deve outra vez dedicar-se completamente ao seu trabalho combativo, de forma a renovar-se, recorrer ao ócio para selecionar e coligir novo material para sua matéria, e assim poder encarar com alguma alegria o novo curso. Na escola sindical, os professores, no espaço de sete meses, estão condenados a repetir exatamente a mesma coisa quatro vezes seguidas, com apenas curtas pausas de duas semanas.
Que para aquele que leciona, que coloca algum desejo e amor em seu trabalho, isso possa tornar-se uma tortura espiritual, e que assim acabará por tornar sua aula algo mecânico e maçante para si mesmo e, em última instância, também para os alunos, parece ser claro para todo mundo, após pensar um pouco. De fato, a cada ano o sindicato forma aproximadamente 250 funcionários dessa maneira, enquanto a escola do partido contenta-se com um décimo dessa quantidade. Contudo, parece que também aqui a rápida produção em massa não é apropriada a um produto intelectual consistente.
A avaliação comparativa exposta acima não deve ser uma reprimenda aos criadores e líderes da escola sindical. A novidade do experimento – e nossos sindicatos foram, o que é seu mérito incontestável, os primeiros, os pioneiros nesse domínio – torna bastante compreensível a dificuldade desse trabalho, bem como muitos de seus lapsos. A organização de estabelecimentos pedagógicos da luta de classes proletária precisa ser aprendida, assim como cada uma das partes dos anseios de emancipação do proletariado. Apenas poderia dirigir-se uma certa reprimenda aos líderes da escola sindical caso eles não quisessem aprender, fosse a partir de sua própria experiência ou da experiência de instituições vizinhas análogas.
Por isso, quando na mais recente convenção da Associação dos Metalúrgicos, o seu encarregado, companheiro Schlicke, recusou uma solicitação de seu sindicato para visitar a escola do partido com a pergunta: “O que a escola do partido oferece aos sindicatos?”, todos que estejam familiarizados com a situação acabam por surpreender-se com a falta de outra pergunta do companheiro Schlicke: “O que a escola sindical oferece aos sindicatos?” Se essa pergunta fosse colocada antes, como devia ser, talvez a resposta à pergunta anterior tivesse sido diferente. De fato: será que os meios imensos gastos pela escola sindical, tendo em vista sua organização equivocada – contra as melhores intenções e o autossacrifício da Comissão Geral –, são sacrificados de maneira totalmente improdutiva? E será que, nesse caso, os “dogmáticos” e “doutrinários” da social-democracia não se mostraram, mais uma vez, muito mais práticos do que os especialistas da “política prática”?
Leipziger Volkszeitung, no140, 21 de junho de 1911
* Publicado em Rosa Luxemburgo, Gesammelte Werke 3, Berlim, Dietz, 1983, p.549-53. Tradução brasileira de Stefan Fornos Klein, publicada em Rosa Luxemburgo, Textos escolhidos I (1899-1914), São Paulo, Editora UNESP, 2017. Aqui a tradução foi ligeiramente modificada.