Foto: Rosa Luxemburgo/ Editora Dietz – Fundação Rosa Rosa

Contribuição à discussão e palavras finais na reunião de protesto de 7 de março de 1914 contra a condenação de Rosa Luxemburgo em Freiburg

Foto: Rosa Luxemburgo/ Editora Dietz – Fundação Rosa Rosa

Neste discurso,  aproveita sua condenação para fazer agitação junto às massas populares, ataca o promotor que a acusou. Rosa Luxemburgo mostra seu grande talento como oradora. É uma obra-prima do uso da retórica pela revolucionária polonesa.

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Segundo uma notícia de jornal

I

Companheiras e companheiros de partido! Prezada assistência! Uma grande criminosa está diante de vocês, uma fora da lei estatal, uma mulher descrita como apátrida pelo procurador de Frankfurt. Companheiros de partido, quando contemplo esta bela reunião, além da alegria de ver tantos homens e mulheres unidos numa mesma ideia, sou tomada por uma certa melancolia por faltarem alguns homens na reunião – refiro-me ao meu procurador em Frankfurt e aos juízes de Frankfurt. Gostaria muito que eles tivessem visto o resultado da sentença que promulgaram. Companheiros de partido! Condenaram-me em Frankfurt a um ano de prisão2 porque, segundo o entendimento do procurador e do tribunal, cometi atos criminosos. Esses atos consistiam em eu ter gritado aos trabalhadores, tanto deste quanto do outro lado da fronteira: “Não matarás!”

Companheiros! No império cristão-germânico é crime de lesa-pátria levar a sério e querer aplicar em sua vida o mandamento do amor ao próximo, pregado ao povo por tantos sacerdotes cristãos como um mandamento da doutrina eclesiástica. Pois, prezada assistência, na reunião pela qual me foi ditada essa grave condenação não fiz nada além daquilo que cada social-democrata enxerga como sua obrigação: abrir os olhos do povo por meio do simples fato de que o crime começa quando se fazem guerras, quando se erguem pilhas de cadáveres, matando-se mutuamente, em vez de procurar o progresso na solidariedade cultural humana, na fraternidade dos povos com todas as nações e raças da Terra.

Não admira que na ordem social de hoje se crave o estigma do crime em quem prega contra o homicídio, contra o genocídio. Se contemplarem a ordem social mais de perto terão que admitir que essa ordem social de fato se baseia no homicídio organizado, e essa ordem social é privada de sua base de existência quando conclamamos os melhores e mais nobres espíritos da humanidade contra o homicídio.

Prezada assistência! Entra ano, sai ano, o que se passa no campo de batalha do trabalho, onde dezenas de milhares morrem anualmente segundo a estatística oficial? Há pouco a estatística nos revelou que apenas em 1912 ocorreram 10.300 acidentes letais em fábricas e oficinas. Uma ordem social que explora milhões para enriquecer alguns poucos, submete-os ao jugo do trabalho e tira a vida de dezenas de milhares por meio da perseguição irresponsável do lucro – uma tal ordem social não entende os ideais da fraternidade humana e a prédica da social-democracia: “Não matarás!”

Essa mesma ordem social opera o genocídio sistemático como o mais perfeito meio para seu desenvolvimento político, para sua vida política. Recentemente os governos dos países balcânicos revelaram a terrível soma total das vítimas das guerras que ocorreram ali há pouco tempo. E apurou-se que na Grécia, na Turquia, na Bulgária, Sérvia e Montenegro morreram 140.000 pessoas durante a breve guerra.3 Sabemos que nos últimos anos a Alemanha também oscilou mais e mais perto do abismo do perigo de guerra com as mais assustadoras consequências – basta lembrar a situação durante o conflito no Marrocos,4 quando oscilou sobre nossas cabeças a espada de Dâmocles de uma guerra com a França e talvez de uma violenta guerra mundial. Mais cedo ou mais tarde, uma guerra mundial dessas deverá surgir a partir do armamento incessante que não descansa em todos os Estados. Não admira que uma ordem social, que um Estado que evoca constantemente esse homicídio organizado, a guerra, e não quer abrir mão dele taxe de criminosos aqueles que levam às cabeças e aos corações do povo o ideal do amor ao próximo, da igualdade humana, da fraternidade dos povos. Ninguém pode lhes dizer isso de maneira melhor e mais precisa do que o procurador que o disse em Frankfurt. Tudo o que lhes apresento, as senhoras e os senhores podem pensar, são as palavras incitadoras de um “vermelho”. Agora gostaria de me referir a uma testemunha ilibada: o procurador em Frankfurt que, segundo o relato de um jornal insuspeito, o demagogo Post de Berlim, disse o seguinte: “O que a acusada fez contra a guerra com suas agitações é um atentado contra a força vital do nosso Estado.”

Prezada assistência! Lembrem-se dessas palavras de ouro saídas da boca de um representante oficial do Estado atual, pois cada uma dessas palavras do procurador é mais poderosa do que dez panfletos social-democratas para esclarecer as massas com relação à natureza da ordem social vigente. Reflitam sobre o sentido profundo dessa exclamação: “A força vital do Estado, ou seja, o militarismo”. Hoje em dia, quando na Alemanha vivemos num tempo de terrível desemprego, quando dezenas de milhares e outras dezenas de milhares de esforçadas e honradas famílias de proletários não sabem o que dar de comer amanhã aos seus filhos famintos, numa época dessas um representante do Estado declara: não é o sustento, não é a alimentação desses famintos que é a força vital do Estado, mas sim a caserna, a baioneta, os capacetes prussianos, esta é a força vital (aplauso estrondoso e risos).

Prezada assistência! Hoje, como há muito tempo, trabalhadoras e trabalhadores alemães despertados por nós anseiam por cultura, educação, conhecimento. Os párias do Estado atual não recebem na “maravilhosa” escola popular do Império Alemão cultura ou conhecimento, mas sim míseras migalhas de um “esclarecimento”. E ali um representante público do Estado lhes declara que a força vital do Estado não é o aprimoramento da cultura do povo, não é o conhecimento, não é a cultura intelectual, mas sim a obediência cadavérica do soldado. (“Isso mesmo!”)

As senhoras e os senhores não estão ouvindo isto da boca de um agitador social-democrata, e sim de um autêntico representante da ordem estatal atual, da moral vigente, do mundo de ideias vigente que lhes diz: não é o seu bem material, corporal e mental, tampouco o orgulho da pátria ou o amor à pátria, muito menos a franca boa vontade para defender o país que representa a força vital do Estado; não, o militarismo atual, que se baseia na obediência cadavérica do exército, eis a força vital do Estado.

Fica demonstrado aqui, como tantas outras vezes, que todas as nossas falas mostram como os atos e as falas dos nossos adversários, da classe dominante são direcionadas a abrir os olhos mesmo da pessoa mais estulta com relação à maravilhosa ordem social em que vivemos hoje.

Companheiros! O procurador se vangloriou em suas palavras finais especialmente do homem alemão, do patriota convocado a defender a honra e os costumes do Império Alemão contra mim, uma apátrida. No que tange à condição de apátrida, não gostaria de trocar de lugar com o senhor procurador. Tenho uma pátria tão grande e querida que nenhum procurador prussiano possui (aplausos efusivos e grande alegria). Mas se esse senhor falou da pátria, da necessidade de defender a pátria, respondo aqui: ninguém tem o direito de colocar na boca a palavra “pátria” a não ser nós, social-democratas. (“Bravo!”) O que é a pátria senão a grande massa de homens e mulheres trabalhadores? O que é a pátria senão o incremento do bem-estar, o incremento da moral, das forças intelectuais da grande massa que é o povo? E quem trabalha nisso com todo sacrifício há décadas dentro do Império Alemão senão a social-democracia? Nós, social-democratas, nos permitimos ser da opinião de que nem a natureza humana nem o progresso cultural são responsáveis pelo fato de os povos se colocarem uns contra os outros como bestas descontroladas e dispararem de tempos em tempos seus conflitos em direção ao genocídio sangrento. Nós, estranhos entusiastas, nos permitimos acreditar que a natureza humana e o progresso cultural do século XX são muito mais responsáveis pelo fato de os povos e raças da Terra aprimorarem a cultura humana em solidariedade fraterna e pacífica. Contudo, nós, social-democratas, somos políticos realistas sóbrios, não vivemos nas nuvens, mas sabemos muito bem que aqui na terra firme onde estamos esse estado de paz eterna da maneira como foi prevista pelos maiores clássicos e filósofos alemães, como por exemplo Kant, não será possível até que o capitalismo seja demolido e não sobre pedra sobre pedra. Sabemos muito bem que só poderemos encarnar a paz eterna, a solidariedade internacional quando conseguirmos também acabar com a exploração do ser humano pelo ser humano, com a propriedade privada, com o capitalismo. Até lá, até termos conseguido implementar isso na realidade, sabemos muito bem que os conflitos internacionais não podem ser evitados. Mas dizemos isto: se dependesse de vossas senhorias defender de verdade a pátria, o sistema militar atual simplesmente não seria necessário; para isso não seria necessário um serviço militar que durasse de dois a três anos, não seria necessário o treinamento das casernas, não seria necessária a humilhação dos soldados por maus-tratos. Seria necessário apenas colocar em funcionamento o antigo programa da social-democracia e introduzir na Alemanha o sistema de milícias, o armamento do povo. Então, só quando o homem livre do povo tiver sua arma em mãos, em casa, onde ele mesmo pode decidir por vontade própria quando e contra quem deve defender a pátria, só então poderemos dizer com toda razão: “Querida pátria, podes ficar tranquila.” (aplausos.) Apenas quando a defesa da pátria não depender da ordem de uma pequena dúzia de senhores acima, não, quando o povo, sempre armado, estiver voluntariamente disposto a defender o país contra qualquer ataque – só então a pátria estará fora de perigo. Contudo, é curioso que as mesmas classes dominantes que falam tanto da necessidade de defender a pátria não querem ouvir nada a respeito desse sistema de exército popular ou da milícia proposto por nós há décadas. Os senhores sabem bem por que: eles sabem que a milícia serve apenas para a defesa da pátria e não para criminosas guerras coloniais, não para arrancar a pátria de outros povos; e a política militar atual está direcionada para isso. (“Isso mesmo!”) Por isso, os motes da necessidade de defender a pátria são meios bem conhecidos de ocultar uma política que é o contrário de qualquer política pátria. Ousam representar a pátria, sua honra e seu bem-estar contra nós, enquanto nos condenam como camaradas apátridas.

Companheiros! Sabemos que notícias voltaram a circular nos últimos tempos em todos os jornais. Talvez tenham lido sobre o incidente na caserna de Magdeburgo, onde um defensor da pátria, de uniforme, foi forçado pelo seu superior a enfiar o nariz na escarradeira? (Gritos de nojo). Camaradas! Assim são tratados hoje os defensores da pátria na caserna alemã! Ouviram sobre outro caso que ocorreu em Neiße, quando dois soldados, depois de terem atacado e maltratado seu superior, preferiram tirar a própria vida a enfrentar com sofrimentos aquilo que ameaça um soldado alemão quando ele não faz nada além daquilo que qualquer homem honrado faz na sua vida privada: responder a uma ofensa em legítima defesa? Conhecem também o outro caso ocorrido recentemente em Metz, onde o cadáver de um soldado foi encontrado enforcado? O que aconteceu em Metz ninguém sabe ainda muito bem. As autoridades em Metz afirmam que o soldado se suicidou. As senhoras e os senhores sabem, um homem morto normalmente é um homem quieto, ele não pode contradizer. Mas o pai do soldado pensa ter motivos para acreditar que esse soldado primeiramente foi torturado até a morte e depois seu corpo foi posto no laço apenas pela aparência. Seja lá o que tenha acontecido, uma coisa é clara: certamente este é um dos inúmeros dramas que acontecem dia após dia nas casernas alemãs e dos quais muito raramente o grito dos torturados chega aos nossos ouvidos.5

Prezada assistência! Como um homem pode ser um verdadeiro defensor da pátria quando se pisa sistematicamente por anos naquilo que constitui o homem: o sentimento de honra, a autoestima, a vontade reta? Pisa-se sobre os filhos do povo de uniforme, bem entendido. E então vêm com esse palavrório sobre defesa da pátria, uniforme e honra especial do estatuto do soldado!

Depois disso tudo, não admira que haja dois pesos e duas medidas na Alemanha. E apesar de, segundo a mitologia, a deusa da Justiça ter os olhos vendados, na Alemanha prussiana ela sempre parece encontrar uma fresta por baixo da sua venda para perceber se o autor do atentado é vermelho ou é outro. (Grande efusão.) O assassino e agente fura-greves Brandenburg foi absolvido,6 o assassino e agente fura-greves Keiling foi sentenciado a meros oito meses de prisão.7 O tenente von Forstner, que emitiu uma ordem para o assassinato sob todas as formas, foi absolvido.8 (Gritos gerais de repulsa.) Aquele que agita contra a guerra tem que ir para a cadeia por um ano.

Prezada assistência! Pode-se sentir um pouco de indignação. Mas eu garanto que, se contemplarem o assunto com cuidado e se forem social-democratas de coração, farão aquilo que fiz quando sentei no banco dos réus, quando o tribunal promulgou sua sentença de um ano de prisão: rejubilei-me e fiquei feliz. Pois entendi o seguinte: isso é uma obra-prima com a qual nós social-democratas voltaremos a dar um grande passo adiante. (“Isso mesmo!” “Bravo!”) Os senhores juízes com o seu procurador, assim como as caras e distintas folhas burguesas do Estado cristão e dos provocadores conservadores – pois eles juntos também compõem um grande bloco contrário a nós –bem como os nacional-liberais, desta vez também se rejubilaram um pouco cedo demais com relação a Frankfurt, pois a sentença é parte da força que sempre quer o mal e frequentemente faz o bem.

Companheiros! Estamos na véspera da Semana Vermelha,9 período que todo e toda social-democrata deve encarar como uma tarefa especialmente honrosa para disseminar, às mãos cheias, as sementes do esclarecimento social-democrata e reunir novos e poderosos grupos de adeptos em torno da bandeira internacional da social-democracia. E agora, nossos caros amigos, os inimigos, cuidaram para que na véspera dessa semana pudessem encontrar um novo e belo objeto para o trabalho de esclarecimento. Pois, camaradas, a exaltação do procurador no tocante à força vital do Estado, que repousa nas baionetas, e o que suas demais palavras são, bem como a sentença que foi proclamada – isso é um material inestimável que devemos levar para os mais amplos círculos populares e mostrar a todos aqueles que até agora ainda não entenderam: vejam, é assim que são as coisas para o povo da Alemanha!

O procurador, porém, proferiu palavras ainda mais bonitas e meritosas para nós. Cito a partir da mesma notícia burguesa do Post. O procurador disse literalmente, enquanto desenhava as negras perspectivas que deveriam se conectar ao meu ato criminoso, àquela reunião popular: deixemos apenas uma ou duas dúzias desses agitadores (ou seja, esclarecidos pela social-democracia – R. L.) em uma companhia, e logo essas pessoas terão facilidade de reunir uma a duas dúzias de outras pessoas ao seu lado. Isso seria o bastante para produzir um motim repentino. Se um motim causar a luta terá as mais terríveis consequências. Pensemos apenas na impressão esmagadora que um motim desses poderia causar no exército e no inimigo. Um único caso de motim diante do inimigo pode ter consequências graves. O fato de tais possibilidades estarem sobre a mesa faz com que a acusada seja uma pessoa extremamente perigosa. O que a acusada fez é um atentado contra a força vital do nosso Estado.

Prezada assistência! Se o procurador, com sua exaltação da força vital do Estado – que se baseia no militarismo –, desvendou a constituição interna da ordem social vigente como ninguém antes, por outro lado ninguém havia revelado o militarismo alemão perante o mundo de maneira tão ridícula quanto o senhor procurador com suas frases precedentes. (“Isso mesmo!”) Esse orgulhoso militarismo alemão que, segundo as palavras de Bismarck, teme apenas Deus no céu e ninguém mais, esse militarismo que quer nos assustar como um colosso de ferro e aço, armado de alto a baixo, esse colosso treme diante de um motim de doze soldados e o Império Alemão vai ruir em consequência de uma reunião popular social-democrata. Este é o sentido dessas palavras.

Prezada assistência! Realmente nos subestimam se acreditam que nossos esforços, nosso amargo trabalho, teria um objetivo tão ridiculamente minúsculo quanto a produção de um motim de doze soldados numa companhia. Posso dizer tranquilamente que não nos contentamos com tais ninharias, temos tarefas e objetivos muito diferentes e muito, muito mais perigosos em vista. Nosso ponto de partida não são ridículos motins numa companhia, mas a agitação de milhões de homens e mulheres trabalhadores do povo para que, quando a hora chegar, de uma vez por todas ponham um fim à política dominante. Aqui, enquanto o procurador pintava com essas cores a agitação social-democrata contra a guerra – ali no pequeno salão do Tribunal Regional de Frankfurt se desenrolou em escala minúscula aquilo que hoje já é fato em todo o Império Alemão, inclusive no mundo capitalista: são dois mundos opostos e que não podem se entender.

Prezada assistência! O senhor procurador e também o tribunal, que aderiu à sua tese por aceitar a medida da penalidade, pensam que o militarismo estaria mais ameaçado se os soldados souberem recusar obedecer. Trata-se aqui apenas do avesso da tese segundo a qual quem está acima acredita que, enquanto o soldado simplesmente obedecer, tudo estará maravilhoso e belo no reino da Dinamarca. Nós, social-democratas, temos uma concepção de história totalmente diversa. Não acreditamos que os resultados das guerras e das batalhas dependam da obediência dos soldados, tampouco acreditamos que as batalhas e as guerras possam ser conduzidas de maneira vitoriosa enquanto o soldado não negar sua obediência cega. Defendemos a tese de que não é da vontade do exército, e sim da vontade de toda a grande massa popular que depende e deve depender a decisão de realizar guerras. Não nos dirigimos diretamente aos soldados, como o senhor procurador imagina, quando ambicionamos tornar a guerra tão impossível de modo a nos colocarmos diante dos soldados e lhes dizermos: no momento decisivo, quando a ordem vier, não atirem. Tão simplista, tão simplória assim a agitação social-democrata não é. Dirigimo-nos a todo o povo trabalhador e lhe dizemos: todos vocês, milhões de homens e mulheres do trabalho, pagam impostos para a manutenção do Estado e da guerra e do exército. Vocês enviam seus filhos ao fogo, vocês sentirão nas próprias costas se uma guerra impedir o tranquilo desenvolvimento econômico e cultural por anos ou décadas. Depende de vocês vetar essa política mortífera da classe dominante. Nós social-democratas defendemos a tese de que hoje em dia as guerras se deixam conduzir não enquanto o soldado se mantiver obediente, mas sim enquanto o povo aceitar as guerras pacientemente. E no momento em que a massa do povo tiver compreendido o que todo social-democrata cultivado entende: que hoje em dia as guerras são conduzidas pura e simplesmente para uso e proveito de um punhado de oportunistas e exploradores capitalistas; que a grande massa é a vítima do militarismo sob qualquer aspecto – quando a enorme massa popular tiver compreendido isso, essa ideia se tornará uma força política tão grande dentro da massa que todas as baionetas se quebrarão diante dela.

Prezada assistência! A política dominante, iluminada aqui oficialmente, quer se apoiar apenas na baioneta. Mas essa já é uma conversa antiga: com baionetas é possível fazer muitas coisas, mas ninguém ainda conseguiu a proeza de se sentar sobre uma baioneta. (Risos.) E uma ordem social que afirma que se apoia apenas sobre a baioneta nada emite além de uma sentença de morte para si mesma. Agora, prezada assistência, devemos correr até os soldados, colocar-nos diante das casernas e dizer-lhes: não atirem, assim as guerras acabam. Ora, não precisamos disso, confiamos nos frutos da nossa educação popular geral. Sabemos que a cabeça do trabalhador alemão que foi uma vez iluminada pela doutrina social-democrata internacional, sabemos que ele não fica mais burro se sobre sua cabeça repousar um capacete com faixas metálicas. Sabemos e confiamos que os irmãos do trabalhador alemão tomados pelo sentimento edificante da solidariedade internacional entre os povos e pelo amor humano não serão infiéis ao mandamento da humanidade, mesmo se estiverem de uniforme. Confiem com tranquilidade na dialética histórica, que por si só deve fazer com que cedo ou tarde toda a grande massa popular da nossa verdadeira pátria se erga e diga: Agora chega da política criminosa que foi praticada até hoje.

E, companheiros, creio que já avançamos muito nesse comovente ofício do esclarecimento. E se as senhoras e os senhores querem uma prova do quanto já avançamos, então peço que dirijam seus olhares ao meu fiador, o procurador de Frankfurt. (Risos.) Dos temíveis perigos que ameaçam o Estado alemão e o exército e o militarismo alemães, mesmo que sejam ridículos, vistos do ponto de vista do militarismo, aqui também se revela o quanto uma palavra tão simples pode ter um núcleo profundo, involuntariamente revela-se aqui também um fato que para nós é inestimável. Pois aqui demonstrou-se nessa explanação que o sistema militarista vigente perdeu o verdadeiro penhor de qualquer vitória: a fé em si mesmo.

Prezada assistência! Assim como no medo descrito acima com relação aos motins que vão eclodir, medo das terríveis consequências desse abalo para o fundamento da força militar da Alemanha: nunca antes nos foi demonstrado com essa clareza o quanto o sistema dominante que avança sobre nós com brutalidade já se tornou podre por dentro, devorado pelo medo, já se tornou covarde. (Longas manifestações de concordância.) E que outra coisa são as palavras do senhor procurador juntamente com a sentença? Pois essa sentença apenas sublinhou cada uma das palavras! Afinal, as palavras do procurador não são um reconhecimento da força moralmente vitoriosa da agitação social-democrata? Aqui veem como eles lá em cima já tremem diante de nós, lá onde supostamente os destinos dos povos convergem.

Prezada assistência! Nós, os apátridas, que somos jogados na cadeia, que não temos nenhum outro meio a não ser nosso sagrado convencimento e a palavra da prédica, já nos tornamos uma força diante da qual os donos do poder tremem covardemente, pois sabem que a vitória deve pertencer a nós. E por isso, companheiros, de qualquer lado que eu contemple esse processo, digo uma vez mais: podemos ficar orgulhosos e felizes com o resultado dessa questão. O que é um ano de prisão? Não vamos nos assustar com tais ninharias (risos), pois esse processo nos forneceu uma inestimável lição para o trabalho de esclarecimento. Eu lhes digo em segredo (risos.): dois anos também não seriam demais para mim! (agitação e aplausos efusivos.)

Por isso, prezada assistência, tiro desse evento em Frankfurt conclusões totalmente diferentes das que aqueles na mesa de juízes e naquele local atrás dos juízes estavam esperando. Querem nos assustar, querem mostrar aos social-democratas: agora não podem mais avançar, vocês devem se curvar, devem parar com essa farra perigosa, pois temos prisões onde podemos colocá-los. Quem parecer assustado hoje em dia depois disso tudo, deixo ao julgamento das senhoras e dos senhores. Nós social-democratas não nos assustamos facilmente. Pelo contrário! Desse processo tiramos a lição de que é nosso dever de agora em diante tornar verdadeiros os bons conselhos do procurador também para a nossa agitação e mostrar também a este último no povo: a “força vital” do Estado atual é o militarismo assassino. Consideramos nosso dever aproveitar ao máximo esse processo na próxima semana da agitação vermelha e acelerar o passo do desenvolvimento histórico que nos levará à vitória.

Prezada assistência! Sabem que no drama de Schiller, Wallenstein, na sua última noite, enquanto perscruta as estrelas para decifrar nelas o curso das coisas futuras, diz o seguinte: “O dia está próximo, e Marte rege a hora.” O mesmo se aplica à época atual. Marte, o sangrento deus da guerra, ainda rege a hora. A força ainda está com aqueles que se apoiam apenas sobre uma floresta de armas assassinas para segurar o povo trabalhador na sua justa ascensão. Ainda serão preparadas guerras, o parlamento ainda será dominado, e cada vez mais projetos militares, cada vez mais o povo será sugado até a última gota pelo insaciável monstro do militarismo. Marte ainda rege a hora. Mas, como disse Wallenstein: “Se aproxima o dia, o dia que nos pertence.” Assim também chegará o dia em que nós, que estamos por baixo, subiremos! Não para realizar essa sangrenta fantasia de um motim ou massacre que paira diante dos olhos assustados dos procuradores, não, nós que chegaremos ao poder para só então criar uma ordem social que seja digna do gênero humano, uma sociedade que não conheça a exploração do homem pelo homem, que não conheça genocídio, uma sociedade que realizará os ideais tanto dos fundadores das religiões antigas quanto também dos maiores filósofos da humanidade, para conduzir o mais rápido possível a esse dia que está surgindo, para isso temos que aplicar todas as nossas forças sem ter em vista qualquer sucesso, apesar de todos os procuradores, apesar de toda a força militar. O nosso lema se tornará realidade: conosco o povo, conosco a vitória! (Longo e estrondoso aplauso.)

II

A lógica dos socialistas éticos tem um furo, porque eles não têm nenhuma classe por trás de si. São boas pessoas, mas péssimos músicos em política. Gerhart Hauptmann conseguiu compor um festival do século, e o líder monístico Ostwald teve que aceitar grandes cortes do “Berliner Tageblatt” num artigo que lutava pelos esforços de paz. Hammerschlag afirma que o proletariado não poderá aproveitar uma eventual vitória porque também lhe faltam líderes. Ele designou a classe superior culta como aquela que deve nos propor os candidatos à liderança. Nisso ele se engana. Essa é a grandeza do movimento socialista: ele não precisa de líderes que estejam fora da sua classe. Ele cria seus próprios líderes, e sua singularidade na história mundial reside no fato de que as massas não são meramente o coro passivo e a revolução obra da minoria. Queremos um movimento da maioria no qual as massas sejam o elemento ativo. Com vontade e força próprias elas devem chegar ao seu objetivo. A ética do socialismo consiste em quebrar o atual domínio da minoria por meio do domínio da maioria.

Volkswacht (Freiburg i. Br.), nº 57 de 9 de março de 1914.

[Tradução: Kristina Michaelles]

1Título da redação. Publicado em Rosa Luxemburgo, Gesammelte Werke 3, Berlim, Dietz, 1984, p.414-425.

2 No dia 20 de fevereiro de 1914, no segundo tribunal penal do Tribunal de Frankfurt (a.M.), foi instaurado um processo contra Rosa Luxemburgo porque ela conclamou à luta contra o perigo da guerra em duas reuniões – em Fechenheim, no dia 25 de setembro de 1913, e em Bockenheim, no dia seguinte – pedindo aos operários para não atirarem contra os seus irmãos na França e em outros países. Rosa Luxemburgo foi condenada a um ano de prisão. Houve manifestações de protesto contra a sentença em várias cidades da Alemanha em fevereiro e março de 1914.

3Referência à primeira guerra dos Bálcãs, de 8 de outubro de 1912 a 30 de maio de 1913 e à segunda guerra dos Bálcãs de 29 de junho a 10 de agosto de 1913, que acirraram as tensões internacionais.

4Na primavera de 1911, o imperialismo francês tentara estender o seu poder a todo o Marrocos. Os imperialistas tomaram isso como estopim para a declaração de que a Alemanha não se sentia mais presa ao Acordo de Algeciras. No dia 1º de julho de 1911, o governo alemão enviou os navios de guerra Panther e Berlin para Agadir, aumentando com isso o iminente risco de guerra. A intervenção da Inglaterra em favor da França obrigou os políticos colonialistas alemães a cederem e a fechar uma solução de compromisso entre a França e a Alemanha.

5Esta afirmação levou o ministro da Guerra, general Erich von Falkenhayn, a prestar queixa contra Rosa Luxemburgo na procuradoria de Berlim por ofensa aos oficiais, suboficiais e soldados do exército prussiano.

6Brandenburg, que atuou como fura-greves, em 4 de junho de 1913 em Frauendorf perto de Stettin, esfaqueou um trabalhador sem nenhum motivo. O tribunal do júri composto de latifundiários e industriais absolveu Brandenburg apesar das provas claras de sua culpa.

7Keiling, um mediador berlinense dos fura-greves com extensa ficha policial, feriu de morte um homem de confiança dos tipógrafos com um tiro de revólver, durante uma greve, em 8 de fevereiro em Tetschen, na Boêmia. Um tribunal austríaco o condenou a oito meses de prisão severa.

8O tenente von Forstner falou a recrutas durante uma reunião de instruções que eles não seriam punidos por matar um “Wacke” (xingamento dos alsacianos), mas sim recompensados com 10 marcos. Essa frase foi o estopim dos protestos do povo alsaciano e ponto de partida do Incidente de Saverne.

9 Em 1914, o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, esteve sob o signo da luta pelo direito de voto e pela igualdade de direitos da mulher. Com esse dia da mulher social-democrata foi inaugurada a “Semana Vermelha” do SPD, de 8 a 15 de março de 1914, que serviu à agitação da social-democracia e de sua imprensa. Como resultado, registrou-se um crescimento significativo de membros e um aumento de assinantes da imprensa partidária.